domingo, 30 de outubro de 2011

O melhor lugar para a Perícia



Considerando o papel da perícia (que é a materialização da prova), parece razoável entender que ela deva acontecer na fase inquisitória inicial.

O texto abaixo é bastante esclarecedor.

O Papel do Ministério Público na Persecução Penal

por Adna Cristina de Carvalho

A validade da investigação criminal direta do Ministério Público no Processo Penal vem sendo alvo de calorosas discussões na seara jurídica. Alguns doutrinadores são adeptos a possibilidade do Parquet avocar a investigação em processos penais, enquanto outros defendem que tal possibilidade traria imparcialidade para o órgão acusatório, prejudicando, sobremaneira, a parte mais débil do processo (o acusado).
Para analisarmos se a presidência da investigação criminal pelo Ministério Público é válida, é preciso verificar se há compatibilidade entre a atuação do órgão na fase pré-processual e o sistema processual adotado pelo ordenamento jurídico pátrio na atualidade, bem como os princípios que o regem.
 A Constituição Federal de 1988 adotou[1], embora não expressamente, o Sistema Acusatório, conferindo aos “atores” processuais funções delimitadas. Conforme expõe Marcellus Polastri Lima, “o sistema processual pátrio é o acusatório, mormente após a Constituição de 1988, com a acusação, em regra, a cargo do Ministério Público, prevalecendo o princípio do contraditório”[2].
A característica precípua desse sistema processual é a separação das funções de acusar, defender e julgar, atribuídas a personagens distintos. O convencimento do juiz é extraído das provas produzidas pela acusação e defesa, não cabendo a ele, por si mesmo, buscar os elementos de convicção para proferir a sentença de mérito.
No que concerne a função do Ministério Público em tal sistema, vislumbramos que sua atuação também é delimitada. Como titular exclusivo da ação penal pública, o Parquet deve ter suas atribuições previstas em lei, atuando com imparcialidade e autonomia em relação aos poderes estatais.
Importa ressaltar também que o modelo acusatório de instrução processual penal busca garantir ao indivíduo que a perda do seu direito de liberdade seja feita em consonância com os direitos e garantias constitucionalmente consagrados, em especial os princípios constitucionais que regem o processo penal.
 É neste ponto que os procedimentos investigatórios criminais presididos pelo Ministério Público se mostrariam mais nocivos e, portanto, inválidos, eis que violariam importantes princípios, como o do devido processo legal, da igualdade processual (paridade de armas) e do contraditório, todos amparados pelo Sistema Acusatório.
Assim, verificamos que a possibilidade de o Ministério Publico instaurar e presidir investigações ofende de diversas formas a garantia do devido processo legal, haja vista que o órgão estaria acumulando uma dupla função: coletar as provas destinadas à formação da opini delicti  e desencadear a ação penal.
Ora, essa sobreposição de funções não é admitida pelo Sistema Acusatório. Não se considera razoável que o órgão destinado pela Constituição às investigações criminais (a polícia judiciária) tenha sua função precípua usurpada, quando justamente a separação de atribuições garante a imparcialidade no processo penal (um dos pressupostos do devido processo legal). Consoante defende Fragoso “trata-se de um acúmulo perigoso de atribuições, que, sobre ser ilegal e inconstitucional, é absolutamente inconveniente, pois dá lugar, pelo excesso de poder, a abusos intoleráveis”[3].
Ademais, outro empecilho à capacidade investigatória do Ministério Público é o nítido ferimento ao princípio da igualdade jurídica entre as partes, especialmente no que concerne a paridade de armas no decorrer da instrução criminal, já que ao órgão seria conferido o poder de investigar e acusar, cumulativamente.
Se a acusação é encargo do Ministério Público, logo, esse é parte no processo e não tem o poder de extrapolar os limites de atuação conferidos à defesa. Tourinho Filho diz que “às partes processuais, representando interesses opostos (Acusação e Defesa), deve ser assegurada absoluta paridade, pois do contrário não seria possível uma genuína e sã contraposição entre elas”[4].
A igualdade jurídica liga-se ainda ao princípio do contraditório, que é a garantia que o acusado tem de tomar ciências de todos os atos do processo, bem como de poder produzir suas provas e sustentar suas razões. Entende-se que  a capacidade investigativa pré-processual do Ministério Público também ofenderia este princípio haja vista que travaria o direito do acusado de contrariar as provas carreadas aos autos.
 Se mostra também arriscado o fato de o representante do órgão ministerial embasar sua denúncia nas provas coletadas por ele mesmo, na fase inquisitorial. Quem garante que ele não tenderá a direcionar a investigação para um ou outro lado, coletando provas que favoreçam ou prejudiquem o réu? 
Pelas razões expostas, e considerando ainda que a Constituição Federal em nenhum momento legitimou o Parquet a presidir investigações criminais ou realizar de forma direta diligências investigatórias, entendo como não sendo válido que o Ministério Público extrapole sua competência, acumulando as funções de investigar e acusar, em total afronta aos direitos e garantias fundamentais consagrados constitucionalmente, notadamente, aos direitos assegurados ao réu durante a persecutio criminis.

REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. Investigação pelo Ministério PúblicoArgumentos contrários e a favor. A síntese possível e necessária. Rio de Janeiro, 22 jan. 2004. Disponível em: . Acesso em 05 mai. 2009.
CASTRO, Bruna Azevedo. A atuação do Ministério Público nas investigações criminais à luz dos princípios constitucionais relacionados. Disponível em: . Acesso em: 5 mai. 2009.
FRAGOSO, José Carlos. São ilegais os “procedimentos investigatórios” realizados pelo Ministério Público Federal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo. n. 37, p. 241-251, jan/mar. 2002.  Disponível em . Acesso em: 5 mai. 2009.
LIMA, Marcellus Polastri Lima. Ministério Público e Persecução Criminal. 4º Ed. rev, atual. e acresc. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 10.ª ed. São Paulo: Editora Atlas. 2000.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6º Edição. São Paulo: Editora RT, 2007.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 9º Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.


Notas: 
[1] Há, entretanto, quem defenda que o sistema processual penal brasileiro é o misto, também conhecido como acusatório impróprio, o qual caracteriza-se pela fusão de aspectos acusatórios e inquisitivos.
[2] LIMA, Marcellus Polastri Lima. Ministério Público e Persecução Criminal. 4º Ed. rev, atual. e acresc. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 55.
[3] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 9º Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 19.
[4] FRAGOSO, José Carlos. São ilegais os “procedimentos investigatórios” realizados pelo Ministério Público Federal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo. n. 37, p. 241-251, jan/mar. 2002.  Disponível em . Acesso em: 5 maio 2009.



Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Adna Cristina de. O Papel do Ministério Público na Persecução Penal. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 out. 2010. Disponivel em: . Acesso em: 30 out. 2011
.